Quem sou eu

Sou um cara que ama a vida e tudo que ela tem a oferecer. Praticante de esportes de aventura, apaixonado por todo tipo de esporte que trabalhe a mente e o corpo de forma una e eletrizante. Degustem á vontade!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O ônibus do Além [trecho1/2]


Para assuntos formais era o Agnaldo Brito, para a família, Naldo, para os amigos, Naldinho. Esses últimos eram bem poucos, tinha somente dois amigos, se é que pode se chamar de amigo uma pessoa que só participa de sua vida em momentos nada agradáveis, passivamente e por vezes sofrendo junto. Os seus dois amigos nada mais eram que companheiros de Bullying, não como agressores, mas como vitimas. Tornaram-se amigos quando, após a agressão diária dos valentões, se juntavam para discutir pormenores da tortura física e mental, ora alegando que um apanhou mais que o outro, ora dizendo que tal palavrão dirigido à sua pessoa era novo, diferente, digno de ser anotado para averiguarem posteriormente o seu significado, não obstante, quando o dito palavrão fora proferido, o contexto desse a eles evidências o suficiente para deduzirem isso com larga facilidade. Em dias melhores chegavam a cogitar cinematográficas represálias, mas não passava disso, as batalhas épicas entre o reino do bem e do mal ficavam na imaginação.
Nesse dia Naldinho se privou do colóquio sobre o badalado assunto das agressões. Era um dia diferente, triste, seu tio falecera naquela madrugada, ao invés de ir á escola, iria para a casa do tio, que ficava do outro lado da cidade, pegaria duas conduções para chegar até lá. Pegou o primeiro e nem percebeu o tempo passar quando desceu na última parada, para esperar o próximo. Essa parada ficava a três quadras de seu colégio. Aguardava no ponto quando avistou dobrando a esquina seus três algozes, discretamente saiu caminhando, para tentar fugir de suas garras. Infelizmente o reconheceram, correram em sua direção e logo o alcançaram, a primeira coisa que fizeram ao segura-lo foi pegarem na parte de trás de sua calça e erguê-la até tirarem temporariamente seus pés do chão. Deram mais uns cascudos de boas vindas, uns puxões de cabelo e de orelha, esporadicamente acertavam um pontapé em seu traseiro. As ofensas vinham inerentes às pancadas. Naldinho se encolheu á um canto, perto de umas latas de lixo. Um dos agressores abriu o zíper e começou a urinar sobre sua cabeça enquanto os outros dois passavam mal de tanto rirem. Como já foi dito, esse era um dia diferente, além de triste, parecia também ser mágico, talvez não fosse nenhum nem outro para quem olhasse de fora, talvez fosse mesmo um dia normal, não se sabe, questão de pura perspectiva, mas para Naldinho era sim um dia diferente. O mijador não esperava, o mijado não esperava menos ainda, tudo ocorreu em frações de segundos, numa explosão de fúria Naldinho se levantou tão rápido quanto uma bala e atingiu em cheio com sua cabeça as partes do seu torturador. O jovem atingido caiu ao chão se retorcendo de dor, surpresos e ao mesmo tempo irados com a reação, os outros dois partiram para cima, encheram naldinho de socos e pontapés, e jogaram-no tonto dentro de uma das latas de lixo que estavam próximas. Ajudaram o comparsa a se recompor e saíram em disparada. Ficou ali dentro da lata de lixo não se sabe por quanto tempo, não estava mais tonto, talvez nem sentisse mais as dores pelo corpo, seu olhar estava vidrado no espaço vazio, muito introspectivo. Estava alheio aos olhares e comentários das pessoas que passavam e o viam naquela situação, estava alheio à tudo. Uma senhora idosa veio em seu auxílio.
- Menino de Deus, que fizeram com você? Coitadinho, eu vi tudo, aqueles monstros – a senhora estava bem de frente á ele, mas o jovem permaneceu em silêncio, o olhar perdido em qualquer direção no vazio. – Anda menino, acorda, saí daí, anda, eu te ajudo, vem.
A senhora puxava-lhe pelo braço com força, ele não respondia, ela insistiu e só aí ele despertou do transe.
- Hã?! Que? Há, é, vou sair sim, já tou saindo, brigado.
- Você ta bem menino? Eu vi, eles bateram muito em você não foi?
- Tou, tou sim – Respondeu tentando mostrar ânimo na voz. – Nem foi tanto assim, eu ia começar a tomar conta da situação quando eles correram.
- É verdade, eu vi eles correndo, você tava armado?
- Não, não, mas sei lutar bem – Uma mentirinha de nada é válida, quando esta vem para consolá-lo. – Escuta, por acaso sabe dizer se o ônibus da W3 NORTE já passou? Eu me distraí e não vi os ônibus que passavam.
- Há, sim, passou uns minutinhos antes deu vir aqui falar com você – A senhora dava umas palmadinhas em algumas partes da roupa de Naldinho, que estava sujo de poeira. – Mas, espere mais um pouco, que todo dia à essa hora passa um ônibus desses piratas que vai pra lá, e a passagem é a metade do preço.
- Metade? Sério?
-Sério, é um branco que está caindo aos pedaços, mas que agüenta chegar ao destino, pelo menos nunca ninguém reclamou. Olha lá ele vindo.
Um ônibus de um branco desbotado, realmente acabado, vinha se aproximando. Naldinho correu até o ponto e acenou e o ônibus parou. A porta se abriu, fez menção para entrar, voltou e procurou pela senhora para agradecer pela ajuda, mas ela não estava mais lá, foi embora antes. Subiu o primeiro degrau e estacou, aquele ônibus era muito estranho, um cheiro acre o deixou levemente tonto. Olhou para o motorista como que querendo mostrar sua estranheza. O motorista era um senhor idoso, barbudo, usava um óculos de aros redondos e lentes escuras, tinha um olhar terno, acalentador, exalava simpatia. Naldinho imaginou ele com um gorro e roupas vermelhas, seria um perfeito Papai Noel. O Motorista ficou olhando-o ali parado nos degraus de entrada e disse:
- Vamos, entre meu jovem. Ou por acaso pensa em ficar aí o dia inteiro?
- Foi mal, desculpa. Tou entrando.
Subiu os últimos dois degraus, a porta se fechou e o ônibus entrou em movimento. Desiquilibrou-se e segurou em uma barra para não cair. Olhou para o interior do veículo, teve uma enorme vontade de rir. Muito estranhos aqueles passageiros, como tudo o mais naquele ônibus. Estavam todos sentados da mesma forma, costas bem eretas, mãos nas coxas e olhar fixo para o piso. Era realmente algo cômico. Procurou por um lugar para se sentar, haviam três poltronas vazias, escolheu uma que ficava no fundo. Um senhor ocupava a poltrona do lado, que dava para a janela e, como todos os outros, estava sentado com as costas eretas, mãos nas coxas, olhar para baixo. Ao sentar-se, achou de boa educação ficar na mesma posição que todos os outros.
As quadras iam passando e o ônibus não parava para pegar passageiros. O cheiro ruim desaparecera, talvez tivesse habituado o seu olfato. Não estranhou quando o Veículo entrou em uma estrada vicinal, ele era pirata, devia ser uma forma de burlar a fiscalização. A estrada estava completamente deserta, ao longe se avistava os prédios e a fumaça da cidade. Um tremor forte balançou violentamente o ônibus, pensou que tivesse furado ou pneu, ou atropelado algum animal, quando tudo ficou escuro. Um homem que fumava á beira da estrada sob uma árvore, sentiu um forte tremor, viu um buraco enorme se abrir no chão e um ônibus entrar por ele.
- Minha Nossa Senhora! Dequinho não tava de brincadeira quando disse que essa era da boa.

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