Quem sou eu

Sou um cara que ama a vida e tudo que ela tem a oferecer. Praticante de esportes de aventura, apaixonado por todo tipo de esporte que trabalhe a mente e o corpo de forma una e eletrizante. Degustem á vontade!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Do lado de lá...

- Ei guri, guri! Acorda, ei acorda, anda – um menino todo coberto por um lençol grosso e sujo sacudia e cutucava uma pessoa que estava deitada sobre um monte de lixo. – Que sono pesado esse seu hein? Melhor você acordar, aqui não é um lugar bom pra ficar.

Com bastante dificuldade a pessoa que estava sendo acordada pelo menino tenta se levantar, mas mal consegue se sentar. Seu rosto estava repleto de escoriações, um dos olhos não abria devido a um inchaço roxo, provavelmente provocado por um soco. Suas roupas criavam um contraste gritante com o ambiente ao redor, ao invés de uma calça, moletom sujo e em frangalhos como a maioria das pessoas que estavam deitados naquele beco estavam usando, ele trajava um jeans limpo e bonito, uma jaqueta de couro e sob a jaqueta uma blusa branca, em seus pés um par de tênis branco, impecável. O pequeno morador do beco ainda tentava despertá-lo.

- Anda moço, acorda. Tavam lhe olhando estranho e lhe cutucando agora pouco, se não fosse eu, tinham levado até suas cuecas, olha lá – Disse apontando na direção de três meninos que corriam para bem longe dali.*

O rapaz se apoio em uma lata de lixo e conseguiu se sentar, olhou ao redor confuso, sua cabeça latejava, o corpo todo reclamava de dores, olhou para o menino e finalmente falou algo.

- Quer lugar é esse?

- Esse lugar é onde eu e aquelas outras pessoas moram – Respondeu apontado para algumas pessoas que estavam deitadas espalhadas pelo beco, todas cobertas por lençóis e papelão. – Aqueles meninos que tavam mexendo com você são do beco que fica do outro lado da avenida, não gosto deles. E você? O que aconteceu pra ta tão machucado assim? Parece q lhe deram uma bela duma “peia” viu!

- Eu não sei, não consigo me lembrar de nada. Ai! – Sentiu uma pontada na nuca e instintivamente levou a mão para o local, sua mão se ensopou de sangue.

-Caramba, deixa eu ver isso – O menino do beco subiu no monte de lixo e olhou para a nuca do rapaz machucado, fazendo uma cara de assombro. – Nossa! Isso aqui ta feio viu, melhor ir no hospital.

-Qual é o seu nome?

-Tatá, muito prazer! – Respondeu estendendo a mão.

-Muito bem tatá – Respondeu o outro ignorando a mão estendida. – Não lhe digo meu nome por que não tenho a menor idéia de qual seja, poderia me ajudar aqui?

- Sim, sim!

Tatá ajudou-o servindo de apoio para que pudesse se equilibrar. Apesar de estar com o rosto todo machucado, tatá pode notar que o jovem era muito bonito. “ Como alguém tão bonito e tão bem vestido pode acabar vindo parar aqui? No mínimo foi assaltado e espancando por aí e jogaram-no aqui depois”.

- Por que ta me olhando assim?

-Sua jaqueta é muito bonita! – Pego de surpresa, foi a melhor desculpa que lhe veio a cabeça.

-É, eu sei.

Os dois caminharam na direção da saída do beco, ao sair, deram de frente com uma avenida bem movimentada. Ao olhar para aqueles carros indo e vindo, uma imagem veio a cabeça do rapaz ferido: Ele dirigia um carro, estava acompanhado, por uma moça, eles discutiam, parou então no acostamento e prosseguiram na discussão, foi então que o vidro do lado do carona estourou e um homem os mandou descer do carro, o homem estava muito nervoso e gritava agitando uma arma de forma ameaçadora, outro homem quebrou o vidro da janela do lado do motorista, então tudo ficou escuro.

- Se você atravessar por aquela passarela ali, poderá ir até o outro lado e chegará á estação do metrô, daqui da pra ver, ta vendo ali? – Tatá o trouxe de volta á realidade, mas seus pensamentos iam longe, acabara de lembrar seu nome.

- Ian, meu nome é Ian!

-Ian? É um nome bonito, ta conseguindo se lembrar de mais o que? – Tatá perguntou sem conseguir esconder a ansiedade e a curiosidade, se sentia feliz por poder fazer algo de importante em sua vida, ajudando seu novo amigo.

- Não vou pegar metrô, vou de ônibus, já sei aonde é minha casa – olhou para o menino que estava lhe ajudando sem nada pedir em troca e perguntou. – Você não quer ir comigo? Até eu chegar á casa da minha família? Quando chegar lá eu te dou uma boa gratificação. E então?

-Vou sim – Respondeu tatá sem titubear.

Perto da entrada da estação do metrô ficava um ponto de ônibus, atravessaram a passarela á passos lentos e enfim chegaram . O primeiro ônibus que chegou era justamente a linha que levava ao bairro que Ian conseguira se Lembrar que morava. O ônibus estava lotado, algumas pessoas já aguardavam no ponto e o encheu ainda mais, subiram e ficaram espremidos próximo ao motorista. Ian então se lembrou que não tinha dinheiro para a passagem e segredou isso á Tatá.

- Tatá, eu não tenho dinheiro, não estou com minha carteira, acho que me levaram em um assalto.

- Relaxa amigo, vou lhe ensinar um truque que faço para andar pela cidade inteira – Tranqüilizou-o Tatá. – E esse “ buzu” ta daquele jeito pra se fazer isso. Só precisa me avisar quando tiver chegando perto do seu ponto, duas paradas antes. Ta bom?

- Tudo bem – Mesmo sem compreender do que se tratava, Ian assentiu.

Os pensamentos de Ian continuavam longe, provocando ainda mais dor de cabeça, um turbilhão de imagens o deixava confuso. Não se lembrava de mais nada após o assalto, só de antes. A moça que estava com ele era sua noiva, Susana, ele não a amava, mas deseja que ela estivesse bem. Se lembrou de sua mãe, do seu pai, de dois irmãos, dos amigos da faculdade. A amnésia passageira estava ficando para trás, e isso o animava. Olhou para uma loja de eletrônicos passando lá fora. “ minha casa fica a 6 quadras daqui”.

- Tatá, daqui a pouco é aonde devemos descer, faça sua mágica!

-Pra já, só me siga, não fale nada. – Tatá apertou o sinal para o ônibus parar no próximo ponto.

O ônibus foi diminuindo a velocidade, a porta de entrada se abriu. Tatá pegou pelo braço de Ian e gritou:

- Vamos descer, rápido, corre.

Ian obedeceu, com muito esforço pulou os degraus de entrada do ônibus e correram na direção oposta ao sentido do ônibus. O ônibus fechou as portas e seguiu seu caminho. Não correram mais que 20 metros, Ian Estatelou-se no chão e começou a praguejar.

Tatá assustou-se com isso, mas relaxou quando começou a perceber que Ian agora sorria ao mesmo tempo que xingava. Ficaram longos minutos rindo ali sentados na calçada.

-Acho que nunca fiz nada parecido com isso, é todo dia isso com você?

- Todo os dias – Tatá respondeu orgulhoso.

-Agora precisamos ir, me ajude aqui de novo, você me quebrou ainda mais me obrigando a fazer essa loucura.

Ian ia refletindo sobre o que lhe acontecera, e sobre o como era cego para tudo quanto não fazia parte do seu mundinho. Nunca parara pra pensar que em meio àqueles becos haviam pessoas que mesmo sofridas ainda eram felizes, que mesmo derrubadas pelas drogas, ainda conseguiam enxergar a magia da vida. Depois que entrara na faculdade esqueceu de tudo o que acreditava ser essencial para ser feliz. A mulher com quem ia se casar ele não amava, os amigos com quem se relacionava eram superficiais e só se importavam com suas marcas de roupa e sobre qual festa foi a melhor. Lembrou-se de quando era adolescente, quando participava de uma ONG como voluntário, ajudando pessoas como Tatá. O tempo passou e de repente, nada disso lhe era mais importante. Se envergonhou ao se comparar com Tatá, que mesmo sendo uma criança, vivendo sozinha nas ruas, passando por todo tipo de privações ainda era feliz, enquanto ele, mesmo podendo ter de tudo, se sentia infeliz, pois nada em sua vida era de verdade, tudo era superficial, ele só seguia um padrão ditado por pessoas ainda mais superficiais. “Maldita vida essa que eu levo!”. Pensou consigo.

- Êita Ian, olha o tanto de coisa ruim ali naquela casa – Tatá chamou a atenção de Ian para a quantidade de viaturas da policia que havia de frente a uma enorme casa.

-Mas aquela é minha casa – Sua voz saiu quase inaudível.

Correu na direção da casa e chegou em tempo de ver sua mãe e um dos seus irmãos entrando em uma das viaturas, eles não estavam sendo presos, visto que entravam sozinhos no banco de trás e não estavam algemados, um dos policiais sentou-se ao lado de sua mãe e conversava algo bem próximo do ouvido dela.

Haviam mais três viaturas, e todas estavam saindo. Ian se dirigiu a uma delas e entrou no banco de trás gritando:

- Eu também tenho que ir, saber o que aconteceu, sou filho dela!

O policial o ignorou, ligou a viatura e acompanhou as outras viaturas. Todo tipo de pensamentos ruins passaram pela mente de Ian, imaginou se não teria ocorrido algo de ruim com Susana, ou com o outro irmão dele, ou até o com seu pai.

-Calma Ian, não se torture – Aconselhou Tatá.

- Ora, nem vi a hora que você entrou – Disse Ian surpreso.

- Entrei logo atrás de você Ian, mas tava tão nervoso olhando pra sua mãe saindo na outra viatura que nem percebeu. Se o policial reclamar, fala que eu tou com você? Por favor?

-Tudo bem – E não falou mais nada.

Dez minutos depois de saírem da porta da Casa de Ian, as viaturas chegaram à um enorme hospital público. Alguns policiais desceram e acompanharam a mãe e o irmão de Ian para o interior do hospital, passaram pela recepção que estava lotada, com pessoas reclamando de dor, outras choravam, enquanto algumas sofriam em silêncio, uma das atendentes perguntou do que se tratava.

- Reconhecimento – Respondeu com frieza o policial inquirido, em seguida entrou por uma porta, os outros o acompanharam.

Ian entrou pela mesma porta que os policiais e sua familia entraram, O corredor em que caminhavam era enorme. Tatá vinha logo atrás dele. A mãe de Ian seguiu com os policiais até última porta do corredor e entraram. Um dos policiais falou:

-Naquela maca senhora.

A mãe e o irmão de Ian caminharam lentamente em direção á maca. A senhora colocou as mãos no rosto e soltou um grito agudo e carregado de sofrimento. O irmão de Ian soluçava de tanto chorar, sobre a maca estava um corpo nu, todo desfigurado, impossível de ser reconhecido pelo rosto. Ian entrou no quarto, se dirigiu á maca, sentiu uma frieza correr por todo o corpo, seu estômago embrulhou, uma sensação de horror o dominou. O corpo que estava sobre a maca, possuía uma tatuagem no peito escrito: Mamãe Sônia, te amo. A mesma tatuagem que ele mandou fazer em si mesmo dois anos atrás.

Tatá olhou com tristeza para Ian, já havia feito sua parte, acompanhou o seu amigo até que ele descobrisse por si só que não estava mais vivo, sem dizer nada virou as costas e sumiu no ar.

*Segundo a doutrina espírita, muitas pessoas ao desencarnar, permanecem presas á terra, à vida que levavam antes da morte. Os motivos são diversos, mas entre eles há a permanência por conta dos vícios mundanos, fumantes, alcoolátras, drogados, pervertidos sexuais. Etc... Tais espíritos vampirizam pessoas vivas que tem o mesmo tipo de vício, continuando assim, a saciar-se mesmo depois de mortos. Os três meninos no caso são espíritos que estão obsediando viciados em drogas por aqueles becos.

6 comentários:

  1. muito lindo esse texto !parabéns elvis

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  2. peculiar, gostei. Vou fazer uma viajem agora aos posts mais antigos que nunca lí e rever aqueles que me estigaram.

    abrass, continue nos privilegiando com seus contos.

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  3. Brigado aí, galera marcando presença com seus comentários.Virão mais, prometo postar mais daqui pra frente!
    abrass pessoal.

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  5. Você tá ficando bom nisso. Hehehe

    Conseguiu prender a atenção do leitor do início ao fim, sem deixar o texto cansativo e muito menos monótono, esse é o caminho certo. Continue assim Elviss. Adoro vc

    Érica

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